Cicatriz
Marcas da dominação no tecido social.
Cicatriz estreia em meio às revelações dos atos golpistas de 08 de janeiro de 2023
e à premiação do longa nacional Ainda Estou Aqui, no Oscar 2025. Entre o crime
político que gerou a denúncia no cinema e as recentes tentativas de golpe,
passaram-se mais de 50 anos.
O espírito totalitário não dá trégua. O tempo e a história não foram suficientes para
banir as estratégias de dominação, que espertamente ganham formas variadas
para perpetrarem os seus crimes. Este é o objeto do documentário de Débora
Castro. A obra desvela esta patologia social presente nas mais variadas esferas
sociais.
Cicatriz tem como ponto de partida a militância política de Claudinei Cabral,
preso, torturado, humilhado, quase morto pelo DOI CODI e pelo DOPS do Exército
1
brasileiro, em São Paulo, no ano de 1972. A justificativa: criar e encenar peças de
teatro que retratavam a verdade sobre a ditadura militar no Brasil (1964-1985).
O drama, no desenrolar da narrativa, ganha a força desconcertante de história de
família. Quando o pai, Claudinei, no caso, aos poucos, vai assumindo a
representação de todos os oprimidos pelo sistema e as dores e as feridas passam
a ser de todos nós.
Isso acontece, pois o protagonista é um entre os milhares de anônimos libertários.
Gente, que na maioria dos casos, não passa de um número nos registros de
violência do poder, mas que de fato são os heróis reais da democracia e da
liberdade. Eles são os responsáveis pela práxis, formam o coletivo, único e capaz
de dar contornos concretos à resistência.
Claudinei, então, dá corpo e voz aos 479 cidadãos e cidadãs torturados,
desaparecidos e mortos, aos 20 mil torturados e aos 50 mil presos políticos –
números subestimados – que vieram à tona pelas mãos da Comissão da Verdade1
das violações dos direitos humanos durante o regime militar brasileiro.
Mas, os vilões do poder são ardilosos, camuflam-se em inúmeras máscaras. Os
Claudineis, agora, são Paulo, Victor, Adriel, Stefanie e Rafael, jovens pobres da
periferia das grandes cidades, cujas cicatrizes são resultado da violência do atual
regime neoliberal. Em nome da servidão e de colocar nossos iguais na posição de
oprimidos, o sistema lança mão do pau-de-arara ou da brutal desigualdade social, o que dá no mesmo.